Essa história foi transmitida pelo próprio Mestre Irineu e todos os seus discípulos sempre prestaram muita atenção nela. Aqui está o marco inicial da missão. Foi a partir dessa experiência e da fé nela depositada que a comunhão da ayahuasca foi completamente transformada. Graças a essa experiência, a persistência, paciência e fé em cumprir os desígnios ensinados por ela, hoje podemos comungar da sagrada bebida nos centros urbanos.

Conta-se que Mestre Irineu estava dentro de sua cabana, quando um amigo – provavelmente Antônio Costa – veio lhe trazer a informação que uma distinta senhora apareceu em sua visão, dizendo ser Clara, alguém que acompanhava Irineu desde que partiu do Maranhão: Mestre Irineu disse não se lembrar de ninguém, pois em sua memória só havia homens naquele navio que partiu de São Luís, mas perguntou ao amigo o que ela queria. O companheiro disse que tinha uma mensagem: era para Irineu tomar novamente a bebida na quarta-feira à noite, na próxima Lua cheia, sem falta e sem indisposição, era para tomar a bebida e aguardar o efeito chegar, pois na hora certa, Clara viria pessoalmente com ele se encontrar.

Na ocasião marcada Irineu estava pronto para o encontro, comungou a ayahuasca, a noite estava enluarada iluminando toda a floresta. Mestre Irineu armou sua rede ao lado da choupana -sozinho desta vez- deitou na rede  e aguardou o sinal da distinta senhora que dizia o acompanhar desde o Maranhão. De fronte para a Lua, Mestre ficou a admirar sua beleza, com a ‘Força’ da bebida ampliando e clareando sua visão, a luz da ayahuasca se manifestando, com coração aberto e entregue. Assim, em um dado momento Irineu viu a Lua se aproximando e dentro dela teve a divina visão, sentada em um trono celestial, apareceu a Senhora. Perplexo e encantando, Mestre a todos contou essa experiência. A senhora se levantou de seu trono e dele se aproximou, dizendo com doçura: “Sou eu quem me chamo Clara”, o questionando em seguida “Tu achas que sou satanás?” . Irineu se levantou e com firmeza respondeu em alto e bom tom: “Não senhora, Deus me livre! Isso da senhora eu jamais pensaria”. Então ela o questionou novamente, se ela não era o satanás, quem ele acha que ela seria? Irineu respondeu: “És uma Deusa Universal”. Mestre Irineu contou que ela então lhe explicou que homem nenhum teve a visão que ele ali estava tendo e que ela estaria ali para lhe entregar uma “coisa grandiosa”, mas antes ele deveria se preparar, pois durante 8 dias uma batalha ele iria travar, comendo somente macaxeira insonsa, sem nenhum tempero e sempre comungando a bebida na hora indicada, continuando na lida do seringal.

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Assim teve início a jornada de Irineu rumo ao posto de eterno Mestre Imperador Juramidam. Segundo a tradição nessa mesma noite Irineu recebeu a inspiração do primeiro “hino” da tradição, era o Lua Branca: Nessa primeira miração com a Nossa Senhora da Conceição, ela pediu para que ele cantasse o primeiro hino da Doutrina lhe ensinando naquele momento.

Deus te salve ó lua branca

Da luz tão prateada

Tu sois minha protetora

De Deus tu sois estimada

Ó mãe divina do coração

Lá nas alturas onde estás

Minha mãe lá no céu

Dai-me o perdão

Das flores do meu país

Tu sois a mais delicada

De todo o meu coração

Tu sois de Deus estimada

Ó mãe divina do coração

Lá nas alturas onde estás

Minha mãe lá no céu

Dai-me o perdão

Tu sois a flor mais bela

Aonde Deus pôs a mão

Tu sois minha advogada

Ó Virgem da Conceição

Ó mãe divina do coração

Lá nas alturas onde estás

Minha mãe lá no céu

Dai-me o perdão

Estrela do universo

Que me parece um jardim

Assim como sois brilhante

Quero que brilhes a mim

Ó mãe divina do coração

Lá nas alturas onde estás

Minha mãe lá no céu

Dai-me o perdão

Os detalhes sobre os momentos seguintes a visão se perderam na memória daqueles que transmitiram a tradição. Quanto tempo entre a visão e a ‘batalha’ de 8 dias? Quem auxiliou o Mestre nesse início de Missão? Seria o próprio Antônio Costa? São perguntas que pairam no ar…

A tradição diz que Mestre Irineu chamou um companheiro seu e juntos ficaram na mesma colocação, ele preparando a macaxeira e o outro prestando atenção, para depois se apartarem e ficarem com mínimo de contato: o desafio seria solitário e o companheiro deveria permanecer na cabana observando de longe. Na primeira vez tomou a bebida logo ao nascer do dia, seguiu para os afazeres dos seringais com grande atenção, ouvindo as vozes do além enquanto caminhava pela floresta. Seguindo com harmonia, chegou ao segundo dia, repetindo a comunhão, o trabalho da terra era acompanhado por novas visões, a batalha se intensificava, trazendo novas compreensões da realidade que até então estavam encobertas sem percepção. Assim começava a sua iniciação, bem ao gosto antigo, que muito provavelmente ele deve ter escutado na conversa com os curandeiros. Irineu seguiu sem esmorecer, cortando a seringa e carregando o ‘leite’ enquanto entrava em trabalho de miração. A tarefa não foi fácil, no final do terceiro dia uma voz lhe avisou que algo diferente aconteceu, seu companheiro colocou sal na macaxeira, que já estava pronta na água quente. Teria sido um teste do companheiro para com Irineu ou apenas teria se comovido?

Entretanto, antes de concluir a ação, resolveu parar, deixando a macaxeira do modo como estava. Irineu foi a cabana, questionando o companheiro, mostrando que estava ciente do ocorrido e que ele nem de brincadeira deveria fazer aquilo, pois era um trabalho verdadeiro. Assim o companheiro teria reconhecido a verdade dos fatos, inclusive sobre a seriedade dos trabalhos. Os relatos nos contam que seu companheiro proferiu a frase: “Pode seguir nesse caminho que ele é verdadeiro”.

Em sua iniciação, este é um marco importante, expressando a abertura dos canais interiores com as visões espirituais da realidade. Segundo consta a partir do quarto dia não teria mais realizado a comunhão da bebida, seguindo com a intensa batalha quando a força já lhe acompanhava a toda hora e todo instante. O apuro foi intenso, com a abertura da visão, espíritos lhe apareciam na miração, a floresta se encantava a cada passo, ele relatou que via as árvores contorcendo os galhos para lhe dar um abraço, caboclinhos verdes saindo de dentro do mato, e feras que apareciam em sua frente, o mestre dizia: “Tudo criou vida”. Um pouco de medo e pavor chegou a sentir, tendo que trabalhar a firmeza de pensamento para vencer o desafio, confiando desde o início nos ensinos da Rainha. Durante os momentos de agonia, para acalmar o coração, Irineu atirava com a espingarda para o alto, ouvindo o estrondo e vendo o clarão rasgando o véu da mata.

Conta-se também que Mestre Irineu as vezes avistava nas estradas dos seringais, uma saia de mulher correndo para dentro das matas, ele que de tão longe viera, tinha mais esse desafio para travar, longe de casa e sozinho naquele lugar, ficava avistando saia enquanto tinha miração. Duro desafio para quem (possivelmente) deixou no Maranhão um amor. Conta-se que ele tentava centrar o pensamento em outra visão, mas não adiantava tentar fugir, pois a visão voltava em outra direção, o perturbando a todo momento. Dura batalha teve que enfrentar Irineu para passar por essa tentação. Devia ele seguir a saia correndo ou devia deixar de lado a ideia? Ele não poderia avistar aquilo e essa seria a orientação? E porque uma saia ele via ali se mulher aparecer por aquelas bandas era muito difícil?

Com certeza era uma tentação, em meio ao mundo espiritual algo lhe trazia direto ao chão. Irineu trabalhou a percepção, compreendeu o desafio em questão, recebendo da Rainha Clara a derradeira instrução, que eram todas provas que ela conduzia com fiel dedicação, trabalhando seu interior e assim lhe preparando para a missão. Ensinando ainda que nada adiantaria fugir da tentação, o melhor seria prestar atenção ao que sentia seu coração.

De dentro das densas matas da Amazônia um jovem caboclo viveu uma experiência universal, que tantos outros iniciados também assimilaram, despertando dentro de si as virtudes do Espírito, direcionando a mente a lembrança da perfeição.

Naquelas noites de revelação, Mestre Irineu avistou na lua uma águia, de onde compreendeu ser a Lua a guia: professora e protetora. A linguagem simples do caboclo é o forte sinal de sua identidade, os versos expressam sua experiência de vida, trazendo uma sabedoria que doutrina multidões de homens eruditos e letrados: da visão de uma águia ele sentiu que era a guia, quem iria conduzir seu caminho rumo à eternidade, lhe dando o perdão e a todos a salvação.

Podemos perceber nessa visão o belo sincretismo característico de nosso país, a Deusa Universal aparece na Lua Branca se transformando numa águia, que é ao mesmo tempo a Virgem da Conceição: paganismo, xamanismo e cristianismo.

Ao final de seu desafio, no último dia das provações, veio a ‘Grande Revelação’: a Senhora da Lua lhe apareceu com a seguinte afirmação:

EU SOU A TUA MÃE, A VIRGEM DA CONCEIÇÃO!

TE ACOMPANHO DESDE PEQUENO EM TEU NASCIMENTO NO MARANHÃO, AGORA VENHO ENTREGAR UM PRESENTE EM TUA MÃO, SEGURE ESSA LARANJA E VÁ DOUTRINAR O MUNDO INTEIRO.

“Doutrinar o mundo inteiro” eis o calibre da missão de Raimundo Irineu Serra, eis a missão do Mestre Imperador Juramidam. Imbuído do mais elevado sentimento por ter recebido a grande revelação para a humanidade, ele prosseguiu por muitos anos na formação de sua Doutrina, ensinada ao longo de 132 Hinos inspirados por Nossa Senhora da Conceição.

Para encerrar a narrativa da revelação, mestre Irineu dizia que ouviu ainda: “Antes de ti ninguém conhecia essa luz que está dentro da floresta e com ela irá replantar a Doutrina de Jesus a todos os seus irmãos.”

Assim foi revelada a missão Juramidam a Raimundo Irineu Serra. Ainda nessa vivência A Rainha lhe concedeu o direito de fazer um pedido e ele lhe rogou para que lhe fizesse um dos melhores curadores do mundo. Ela respondeu que ele não podia ganhar dinheiro com aquilo. E ele por sua vez pediu para que ela associasse tudo o que tivesse a ver com cura nessa bebida. Tendo ele recebido o divino presente e tendo ido trabalhar para ir adquirindo e se aperfeiçoando.

Suas palavras foram fortes: “Se for para engrandecimento de meu país, eu aceito!

A partir daí os relatos se perdem em inúmeras versões que de tantas e tão diferentes em direções nos limitamos a relatar apenas que depois da revelação Mestre Irineu passou longos anos se dedicando a formação de sua Tradição. Paciência, fé e perseverança foram os caminhos trilhados por Irineu após receber a revelação. Humildade e vontade foram os guias para seu caminhar. 

Plantando com dedicação e cuidado as sementes do Mestre brotam por toda parte, se preparando para a colheita universal.

Viva a Rainha da Floresta!

Viva Mestre Irineu!

Viva a Sagrada Missão!