Quando em 2016 nos mudamos para a chácara Jardim Dourado nosso primeiro movimento foi de plantar as primeiras mudas de chacrona e de cipó, presentes compartilhados gentilmente por nosso fornecedor na época.
Desde então passamos a cuidar das plantas que requerem zelo e atenção constante. O arbusto chamado chacrona (A Rainha) requer sombra e muita água, e o cipó (Jagube) cresce muito rápido e descontroladamente, além do cuidado com as pragas. Nossas plantas cresceram a luz do sol e água, não colocamos fertilizantes nem adubos.
Toda a experiência de plantar as mudas, cuidar delas e do espaço ao redor possibilitou criar uma relação mais madura com a ayahuasca e com a nossa prática espiritual. Observar o crescimento de cada planta, intervindo o mínimo possível, gradualmente ir colhendo as folhas e o cipó e nos aventurando na busca por conhecer os diferentes métodos de produção da bebida está sendo uma jornada muito abundante de auto conhecimento pessoal e do grupo.
Chamamos esse processo de feitio. Certa vez, um amigo me disse que o feitio não é da ayahuasca, pois ayahuasca não se faz, se extrai das plantas, o feitio acontece naqueles que escolhem participar da produção. Todo o processo é complexo e temos como norte nos manter o mais simples possível, seguindo algumas práticas próximas ao que a tradição ensina, embora não nos mantemos limitados pelos dogmas. Nesse sentido, homens e mulheres colhem as folhas e o cipó, ambos lavam folha por folha, em um processo realmente incrível e esclarecedor, batem o cipó, embora também utilizamos um moedor mecânico.
A escolha por plantar, cuidar, esperar crescer, colher, limpar, colocar na panela e apurar, até finalmente chegar em um resultado é longo, demorado e requer uma equipe de pessoas dispostas. Mais que chegar a uma quantidade de ayahuasca forte, o processo todo é uma possibilidade intensa de autoconhecimento, reflexão, superação de limites e prática espiritual. A maneira como a força se apresenta, as reflexões e compressões profundas que vivenciamos são especificidades únicas de feitio. Somente vivenciado para saber…
Nossa estrutura para vivenciar tal aprendizado é muito simples, como tudo no instituto e a medida do possível vamos melhorando, aprimorando e expandindo ela. Temos conosco que a simplicidade de tudo por aqui é parte essencial da experiência que oferecemos e parafraseando um grande professor deste caminho: grandeza na simplicidade.
Nosso feitio é realizado apenas com membros de nossa equipe e pessoas convidadas.
Se você encontrou na ayahuasca um caminho, desejo que possa vivenciar essa experiência!
Aproveito a oportunidade para trazer uma reflexão. Muitas pessoas entram em contato comigo para perguntar se eu “vendo” a ayahuasca e qual seria o valor. Irmão e irmã que lê essas palavras, reflita: em primeiro lugar, o comércio de ayahuasca é proibido e considerado crime. Mas, ainda assim, qual seria o valor considerando que plantamos cipó e rainha em mudas, cuidamos deles por anos, esperamos, com paciência e perseverança para poder colher. Colhemos (no caso destas fotos) 20 kg de folhas de rainha, uma por uma e 80 kg de cipó. Lavamos e limpamos eles, um trabalho que envolveu a presença de pelo menos 20 pessoas. Destas 4 ou 5 ficaram em revezamento nas panelas por mais de cinco dias seguidos, com poucas pausas para descanso, utilizando 1.500 litros de água para obter menos de 30 litros de ayahuasca.
Eu não entendo quando me perguntam se eu “vendo” a ayahuasca que esta sob minha guarda… É claro que NÃO. Aqui, por opção, nós estudamos com muita dedicação e admiração a história de nosso Amado Mestre Irineu. Consta que, quando ele recebeu a Missão Espiritual dada diretamente por Nossa Senhora da Conceição, foi dito para ele que não poderia haver ganho financeiro com a ayahuasca. Mestre Irineu obedeceu à risca a recomendação dada. Qualquer pessoa que “venda” ayahuasca, esta praticando crime e é passível de denúncia. Nada de espiritual há nessa relação comercial e está completamente fora da linha estabelecida pelo Mestre. É no mínimo ignorância para não dizer desrespeitoso perguntar se “vendemos” a ayahuasca.
É obvio que o contexto atual difere do contexto da época do Mestre, mesmo tendo as plantas em nosso espaço, estamos longe da autonomia. Como o foco de nosso trabalho é apresentar a ayahuasca para aqueles que não a conhecem e recebemos muitas pessoas em nosso ritual, o consumo que temos é muito maior que nossa capacidade de produzir. O que em termos práticos significa que estabelecemos relações com outras instituições que produzem em uma escala maior e repassam para nós a ayahuasca que servimos em nossos rituais. Em nosso caso específico, por graça e misericórdia divina e merecimento também, tivemos a honra de conhecer uma família daimista do Acre, que através da relação de confiança fornece para nós a ayahuasca que servimos. Em reconhecimento ao esforço envolvido, trabalho e primor da bebida que nos chega oferecemos apoio financeiro para que eles possam continuar nesse caminho e melhorar a estrutura se necessário. Todo o processo de envio e recebimento é feito de CNPJ para CNPJ.
Tudo acontece dentro do que é exigido pelas autoridades brasileiras e com respeito espiritual aqueles que vieram antes de nós, para que possamos continuar a exercer, de forma séria, responsável e amorosa nossa prática espiritual no contexto urbano.
Se você não possui uma Instituição Espiritual devidamente regularizada e encontrou alguém que aceitou te “vender ayahuasca”, irmão e irmã desconfie. Já desviou muito do caminho…