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Raimundo Irineu Serra foi homem trabalhador e de saúde forte, viveu até o ano de 1971, tendo dedicado 60 anos de sua vida a formação de sua comunidade espiritual e em consequência a transformação dos ritos de comunhão da ayahuasca no Brasil.

Seguindo os rumos de seu tempo, Mestre Irineu vivenciou pela queda da produção da borracha na Amazônia, a primeira guerra mundial, as revoluções socialistas, a Formação da União Soviética, o Centenário da independência do Brasil, o movimento tenentista, a queda da primeira república, o início da Era Vargas, a queda da bolsa de Nova York, a crise financeira mundial, a ascensão do extremismo nazista na Alemanha, a implantação do Estado novo de caráter fascista no Brasil, a segunda guerra mundial, a explosão da bomba atômica, a redemocratização do país, o suicídio de Getulio, a formação do mundo dividido em blocos, as mudanças tecnológicas, o rádio, TV e o inicios das viagens espaciais e a ditadura militar no Brasil, a revolução sexual e as revoltas dos anos sessentas.

Ele viveu em um século conturbado e cheio de convulsões, com uma humanidade doente e uma missão a frente: tantas situações estavam em sua direção, o alcance de cada uma delas na vida cotidiana do mestre e de sua comunidade é ainda fonte a ser pesquisada.

O território do Acre era juridicamente identificado como Território federal, administrado por interventores nomeados pela Presidência da República, sofrendo oscilações de acordo com as mudanças na política. Levando sempre a marca do autoritarismo presente no próprio caráter de intervenção central, retirando dos acreanos o direito de livre escolha sobre seus governantes, o que gerou uma atmosfera negativa de serem espécies de cidadãos de segunda classe. Somente na década de sessenta, que o Acre veio a ser Estado Autônomo da Federação.

Seria este o mundo dos homens que Mestre Irineu vivenciou em sua história, que já trazia as marcas do passado do século XIX, que escravizara sua família, espoliando sonhos de liberdade e emancipação. A ruina da produção da borracha ocorreu já o início dos anos vinte, devido principalmente a queda na demanda mundial. Os barões da borracha que enriqueceram em Manaus e Rio Branco, mantiveram a política de privilégios sem intervenção do Estado. Abandonadas ao próprio azar as populações ribeirinhas estavam em condições de calamidade pública, ocorrendo grandes migrações para os centros urbanos da região, fazendo crescer um bolsão de miséria na anterior pujante floresta.

Na ocasião da revelação, contam os mais antigos da tradição, que Mestre Irineu recebeu da Rainha da Floresta o direito a um pedido, sendo seguido pelas seguintes palavras: “Me faça um grande curador, para livrar a humanidade de tanta dor”. Ela assim consentiu, lhe dizendo: “Você terá muito trabalho pela frente, o tempo todo e toda hora, mas não pode ganhar dinheiro com ele, se assim o fizer nada irá lhe faltar”. Por fim pediu a Senhora da Lua para colocar todas as curas dentro da bebida, sendo agraciado e atendido.

Esse momento permaneceu vivo em sua mente marcando profundamente sua trajetória futura. As palavras da Deusa Universal: Sou tua Mãe, a Virgem da Conceição, foram para sempre lembradas, e será um elemento central de sua missão, gerando um forte sentimento de devoção, guardando no peito um segredo que para o porvir seria o sinal da Grande Revelação: a vinda de um mensageiro dos céus, trazendo os ensinos da Rainha com a “Doutrina de Jesus” no tempo do apuro, consagrando a sua cruz.

Irineu trazia na consciência este grande ensino, seguindo sua vida com paciência. Permaneceu no seringal por algum tempo, teria se interessado melhor pela sabedoria dos caboclos da região, percorrendo vários caminhos em busca de compreensão das plantas que curam e seu poder de transformação. Contam os antigos que outras viagens ele fez ao Peru, aparecendo nova revelação.

Em uma delas o trabalho com a bebida lhe agradou tendo bonita miração, ficou admirado com a sabedoria dos que estavam ao seu lado, imaginando que pelo tempo de trabalho com a bebida todos recebiam melhor visão do mundo além… Mas uma voz que se manifesta diretamente no coração veio lhe instruir, um novo professor, que iria acompanhar seus passos e orientar sua missão, um velho xamã de origem Inca, herdeiro do legado de Huáscar, o ultimo soberano do reinado encantado com o mesmo nome de Pizango, lhe disse que partiu sem deixar seu legado saber plantado e que agora retornava porque havia encontrado o “escolhido” para a grande missão de levar aquele tesouro para o mundo todo.

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Assim Pizango iniciou sua instrução já respondendo o primeiro pensamento de Irineu, esclarecendo que ali ninguém estava vendo o que ele via, somente ele merecia. Como prova disso faria um teste com todos, iria entrar na cuia de ayahuasca e cada u deveria olhar dentro e relatar o que via. O jovem Irineu assim procedeu, mostrou a cuia a todos e a resposta que recebeu foi apenas que viam ayahuasca, ninguém via Pizango. Mas Mestre Irineu via! Para não restar dúvidas, Pizango ordenou a Irineu a colocar a cuia com a ayahuasca em um canto que ele faria a bebida desaparecer pois ele beberia a ayahuasca da cuia. Reza a tradição que tudo isso aconteceu e quando Irineu foi olhar a cuia o chá havia desaparecido, confirmando o que Pizango havia dito, iniciando assim uma relação entre aluno e professor. Para os mais antigos, Pizango era o “espirito da ayahuasca” e foi através da relação com os índios que Mestre Irineu aprendeu a preparar a ayahuasca.

Em honra ao legado recebido, até o fim de seus dias Mestre Irineu irá dizer que era “Uasqueiro” e não “daimista”. Nas recordações da tradição Pizango ainda diz a Irineu para ele não se surpreender, pois ele sabia um pouquinho, mas muito mais Irineu iria aprender recebendo do “Astral” um grande saber. Sempre que recordava do velho professor, O Mestre Império, com saudade dizia: “Pizando sabia onde as andorinhas moravam…”, representando na simbólica linguagem espiritual, um estado elevado de consciência que permite a alma viajar aos planos celestiais, tal qual as andorinhas que moram nas alturas das montanhas e viajam pelos ares do mundo buscando novos caminhos e novas descobertas, mas sempre regressando ao lar sagrado.

Do encontro com Nossa Senhora da Conceição seu pedido foi de receber poderes para melhorar o mundo que via sob seus olhos, poderes que viriam para a cura de seus irmãos, demonstrando assim consciência da necessidade de ação, uma vez que o terror e a agonia estavam por toda a parte fazendo da humanidade mísera cativa do medo. Sua visão material nasceu calcada na transformação do mundo material e não apenas na salvação da vida após a morte, seria no plano presente a real manifestação do poder sagrado.

No inicio dos anos 20 Irineu abandonou os seringais e retornou a Brasiléia, sendo ali a ponto de partida para sua aventura dentro da floresta, retornando com o espirito renovado e inspirado, portador de uma missão espiritual, escolhido pela Rainha e instruído por um caboclo de estirpe encantada, em sua mente repousando um pouco do antigo legado das culturas encantadas.

Em intenso e curto período Mestre Irineu se casou sem cerimônia religiosa, teve um casal de filhos, no entanto a relação durou pouco. Rosa Amorim, ex esposa, partiu para outros lugares levando seus filhos. Ela já tinha outro filho antes de conhecer Irineu e por conflitos com ele que a relação entrou em crise. Alguns dos antigos dizem que foi por ciúmes do garoto por a mãe estar em um novo relacionamento e outro dizem que foi por ela não concordar com a linha espiritual de Mestre Irineu.

A caminhada rumo a manifestação da missão estava apenas começando…