Apesar de o conceito de xamanismo ser muito estudado na atualidade, ele é, de certa forma, incompreendido pelas pessoas de modo geral. Assim compartilhamos nossa compreensão sobre o significado de xamanismo.

 

No cerne da vastidão ancestral, entre as sugestões de eras perdidas, desdobram-se os mistérios do xamanismo, enraizados profundamente nas relações de indivíduos e comunidades com o sagrado. Ao pronunciarmos a palavra “xamanismo”, ecoam em nossa mente imagens dos pajés dos povos originários das Américas. No entanto, o termo transcende fronteiras, referindo-se a um conjunto de práticas ancestrais relacionadas com o sagrado, divindades, espíritos e estados de consciência, sem se limitar a um povo ou cultura específica.

 

Cunhado pelos antropólogos, xamanismo é uma adaptação a fonética siberiana que designa o xamã como “aquele que se comunica com os espíritos”. As raízes do termo são arcaicas, mergulhando nas sombras do tempo, desdobrando-se há 40.000 ou 50.000 anos, na aurora da consciência humana, na era da pedra. Ele é objeto de estudo em vários continentes, entrelaçando-se com diversas religiões.

 

O xamanismo permeia vários campos, através de ritos e processos de cura, notas melodiosas ressoando na sinfonia cósmica. O xamã, considerado sacerdote entre mundos, tece laços entre sua comunidade e os domínios invisíveis. Ele é curador, mago, poeta e místico, com a competência de curar, operar milagres e realizar feitos tidos como impossíveis. Ele é a ponte, o fio de luz entre as esferas material e espiritual.

 

O chamado para ser xamã passa por um despertar, entrelaçando-se pelas trilhas da hereditariedade, da vocação espontânea ou da vontade própria, revelando-se em meio a uma crise, uma dança caótica que quebra o equilíbrio espiritual, culminando em um renascimento simbólico. A iniciação do aspirante a xamã desdobra-se pelo caminho da cura e do poder de autocura, um caminho árduo que busca apagar as pegadas da vida pré-crise, guiando-o por uma metamorfose espiritual. Uma ruptura temporária, delicada como pétalas ao vento, prepara o aspirante para explorar conscientemente os reinos além da visão comum. Finalizado o processo, o xamã emerge, uma alma do outro mundo, navegante consciente do divino. No intrincado tecido espiritual, ele desvela os segredos, realiza sua obra.

 

Entre os véus da realidade tangível, o xamã é reconhecido como um arauto de segredos cósmicos, detentor de uma linguagem que transcende as fronteiras do humano. Desperto para o reino encantado, ele aprende a dialogar com o suprassensível, envolvendo-se em conversas íntimas com espíritos animais e plantas. Sua habilidade, como fios de um tear ancestral, estende-se além dos horizontes do visível, desenhando um mapa oculto na tapeçaria do conhecimento ancestral.

 

Essa linguagem, revela-se em intricadas tramas, seja sob a tutela sábia de um mestre ou em conexão direta com consciências superiores. É uma comunhão sagrada, uma alquimia de compreensão que desvenda os segredos da natureza, permitindo que o xamã navegue pelos corredores místicos do invisível.

 

A maestria nessa nova linguagem não é apenas um dom; é a abertura de um portal para o reino espiritual, onde o xamã se torna um guardião dos limiares sagrados. Através dessa comunicação sutil, ele não apenas desbrava os territórios da natureza, mas atravessa os véus para adentrar lugares resguardados pelos espíritos. Ele se metamorfoseia em um guia, um líder envolto em dons sobrenaturais, cuja intuição e poder reverberam como canções antigas, orientando as práticas espirituais de sua comunidade com maestria e reverência.

 

O xamã exerce um papel em constante transformação, entrelaçando o divino com o profano, assume a posição de restaurador do equilíbrio. Ele transcende as fronteiras entre o conhecido e o desconhecido, entre a saúde e a doença, entre o agressor e o ofendido. Ele é o mediador, o tecelão de conexões invisíveis que visam harmonizar domínios separados.

 

No palco da existência, o papel do xamã é moldado pelas ações dos sujeitos sociais em contextos únicos. O xamanismo, atravessa fronteiras de nações, de povos e aldeias, sendo uma força em constante evolução, emergindo das interações complexas entre fatores sociais, culturais, históricos e demográficos. Expressa-se como uma poesia ancestral entrelaçada nas tramas do tempo, um eco que ressoa em rituais e curas, uma sinfonia que transcende o palpável, guiando-nos através das trilhas práticas da existência.

 

Embora a diversidade seja a essência do xamanismo, uma constante perdura: a capacidade de entrar em estados alterados de consciência, agora chamados de estados ampliados de consciência ou também de estados expandidos de consciência. Nesses momentos de êxtase, os xamãs deslizam entre as zonas cósmicas, costurando a harmonia nas tramas do universo. São navegantes do divino, restauradores do equilíbrio cósmico, dançando entre os limites do céu, da terra e do submundo.

 

A ampliação da consciência tem sido utilizada em ritos de passagem e cerimônias de cura de culturas antigas e nativas, sendo descrita por místicos de todas as épocas e iniciados nos antigos mistérios de morte e renascimento. Os procedimentos que induzem a esses estados também foram desenvolvidos e utilizados no contexto das grandes religiões do mundo.

 

A importância desses estados de consciência expandida para as culturas antigas reflete-se na quantidade de tempo e energia que os membros desses grupos dedicaram ao desenvolvimento de tecnologias do sagrado – procedimentos diversos capazes de induzi-los a fins rituais e espirituais. Esses métodos combinavam, de diferentes maneiras, instrumentos de percussão, música, canto, dança, isolamento social e sensorial prolongado, jejum, privação de sono, desidratação, uso de fortes laxantes e purgantes, dor extrema, mutilação corporal e intenso sangramento. Mas, sem dúvida, a ferramenta mais eficaz para induzir esses estados de cura e transformação tem sido o uso das chamadas plantas de poder.

 

No Brasil, no coração da densa floresta amazônica, tribos antigas desvendaram os segredos da consciência ampliada através do uso da poderosa ayahuasca. Ao longo dos tempos, a bebida sagrada serviu como ponte entre o visível e o invisível, empregada por diferentes culturas para adivinhações, criação artística, caça na floresta, contato com antepassados e cura de males. Um elemento central no complexo mítico-religioso das tribos amazônicas, a ayahuasca é a chave para um vasto conhecimento que se estende pelas terras brasileiras, bolivianas, peruanas e colombianas.

 

Mesmo diante da impiedosa colonização, esses conhecimentos resistiram por gerações. Em um cenário de maus tratos e aculturação, a prática da ayahuasca para fins religiosos encontrou um caminho dos centros culturais da Amazônia para os pulsantes corações dos centros urbanos. Assim, no Brasil, em particular, a categoria de xamanismo que ganhou visibilidade no cenário religioso ficou conhecida como ‘xamanismo-ayahuasquero’, a partir de 1930. O encontro entre indígenas e seringueiros resultou na assimilação de elementos básicos da cosmologia indígena, entre eles o uso de psicoativos como propiciadores das experiências de contato com o sagrado.

 

O ponto de inflexão ocorreu em Rio Branco com Raimundo Irineu Serra, carinhosamente e respeitosamente por nós chamado de Mestre Irineu. Este visionário dedicou-se à organização da doutrina daimista, abrindo as portas para o que hoje conhecemos como neoxamanismo ou xamanismo urbano. Diferente de uma mera atualização ou transposição para a sociedade ocidental, o xamanismo urbano é uma construção inovadora, amalgamando elementos do referencial indígena com outras vertentes ocidentais e orientais. Essa nova expressão do xamanismo não designa uma função específica a um especialista; todos são convocados a trilhar a senda da experiência sagrada e a conectar os domínios separados de suas existências.

 

Neste “novo” xamanismo, cada indivíduo é um explorador de planos interiores, buscando harmonia e restabelecendo a ligação entre seu “eu básico” e seu “eu superior”. O xamanismo, assim, se revela como um patrimônio universal da humanidade, uma jornada espiritual que transcende fronteiras e desafia as divisões que nos cercam. O xamanismo, como o praticamos, a conexão espiritual é uma busca coletiva, uma jornada que ecoa através dos tempos, transcende fronteiras e se manifesta como busca universal pelo autoconhecimento, aprimoramento pessoal e conexão com o divino, não se limitando a uma única vertente ou expressão religiosa. Pelo contrário, absorve métodos e práticas de diversas linhas para desvendar os mistérios do eu.

 

Aqui, a busca pelo aperfeiçoamento não é orientada pelos outros, mas pela compreensão das nossas próprias potencialidades e pela correção dos distúrbios internos que nos afligem. É uma reconexão com a ancestralidade, uma das formas mais antigas de nos relacionarmos com o sagrado. O xamanismo é, portanto, a ponte entre o eu e o todo.

 

Dentro da designação de xamanismo urbano, as diferenças entre os centros xamânicos são abundantes em métodos, objetivos e ferramentas. Muitos não se restringem à ayahuasca, incorporando outras “plantas de poder” utilizadas por tribos indígenas em contextos culturais específicos. Outros realizam cerimônias com a presença de nativos que trazem essas ‘medicinas’ nos centros urbanos. No nosso Instituto, respeitamos rigorosamente as normas estabelecidas pelo CONAD. Utilizamos apenas ayahuasca e tabaco, sem práticas de curandeirismo ou o uso de outras substâncias. Não praticamos ou incentivamos o comércio da ayahuasca nem sua combinação com outras substâncias ou drogas. Nosso compromisso é auxiliar aqueles que desejam despertar para a vida, abandonando vícios e trilhando o caminho do autoconhecimento.

 

O xamanismo que praticamos é uma expressão específica, onde a ayahuasca é utilizada de maneira disciplinada. Nossos rituais ocorrem em silêncio, na firmeza e no estrito respeito à ordem. Nossa cerimônia acontece em polaridade masculina e feminina ao redor de uma fogueira, e nossas danças ocorrem com disciplina, sem excessos. Relacionamo-nos com a ayahuasca como uma facilitadora de expansão da consciência, que para nós é a mais profunda, significativa, surpreendente e transformadora experiência que um ser humano pode alcançar.

 

Nossos objetivos são claros: nos reconectar sabedoria interior, explorar a multidimensionalidade do ser humano, ancorar o poder pessoal, estabelecer conexões com seres espirituais, limpar os corpos físico e sutil, harmonizar ambientes, promover a conscientização espiritual e a inter-relação com a natureza. Buscamos ativar as habilidades de coragem, força e sabedoria para lidar com questões generalizadas, além de promover autocuras e prevenção de distúrbios e doenças.

 

A essência da cura xamânica é clara: “Ninguém cura o outro. A cura está dentro de cada um.”

 

Sintonize-se com o chamado à jornada interior, onde a sabedoria ancestral entrelaça-se com a busca universal pelo autoconhecimento. Estamos preparados para compartilhar essa fascinante exploração, na qual a cura se revela como uma jornada intrínseca que nos guia em direção à transcendência e harmonia.

 

Desperte!